sexta-feira, 1 de novembro de 2013

POUSO

Escora o ar
debruçado,
pássaro: na fímbria,
o voo está pronto.

Solto do galho
jogado ao ar
vertical quase
e certeiro: outra corda bamba de galho.

Átimo sutil,
pouso em pássaro. 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

TÉDIO


Um estranho sentimento me atinge
carecendo de fim, início, e meio;
por não saber revelar esta esfinge
vou dizer que do vazio estou cheio.

Ardor ausente que não alivia
carregando a alma na ausência de cor.
Vá rouxinol pergunte a cotovia:
por que levou consigo todo humor?

 Ah!, estranho sentimento inefável
corre imóvel, tempo nu, indomável
– Qualquer coisa que se pensa é inútil!

Desesperado na impotência vejo
que nesta hora o que eu apenas desejo
é perfurar este tédio inconsútil.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

CANAVIAL EM PERNAMBUCO

A caminho do mar
outro surgiu do chão:
ondas quebravam em foices
de gente escondida
sob densa roupagem
medindo forças com o sol.
– Então quem há de ser mais austero?
Senão como há de sobreviver?

Chegando o mar, altos e imponentes coqueirais
surgiram, centenas deles!, faziam o vento dançar.
Ao assistir o espetáculo, quase esqueci-me de
Pernambuco, dos sertões.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

PALMEIRAS IMPERIAIS DO MUSEU DA REPÚBLICA

Chuvisco em vento, ar
água tecem o tempo
tremulam a paisagem.

Observadoras, palmeiras imperiais
do jardim do Museu balouçam
calmas, se embolando no úmido véu,
voal d’água, que avolumam seus cabelos.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

AMENDOEIRA DA AULA DE FILOSOFIA

Do segundo andar a porta aberta convida a entrar a alta amendoeira –
está ventando muito – e suas folhas, grandes borboletas verdes
coalhadas sobre galhos entrevistos.

Grandes borboletas verdes, juntas, voam presas,
rodopiam a frondosa amendoeira. 
– Venta muito... – Nenhuma borboleta desprende a cair ou alçar às nuvens.

Na aula de filosofia o chão desapareceu junto às paredes,
à porta e ao quadro negro;
as vozes cessaram: tudo era amendoeira.

sábado, 31 de agosto de 2013

A COR DE SEUS OLHOS


Fulgurante luz teu cabelo louro
e olhos: espelho d’água cristalino,
bela face resplandece como ouro,
visada perigosa de felino.

Afrodite à luz do plenilúnio
maldiz a aurora que te alumia o rosto,
vira aos céus, ralha espumas de desgosto,
desgraçando a Zeus por todo o infortúnio.

Esculpida em preciso e fino talho,
cândida, reluzente como orvalho
tu és flor que desabrocha altivez:

a beleza, ó fardo que te abusa!
Defeito só os olhares de medusa:
petrifica quem te visa uma vez.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

OLHARES

A mirada penetrante
dos amigos não tem beira
é translúcida clareira
é olhar petrificante.

Falavam-se sem a veste
de qualquer palavra-imagem,
contemplavam a celeste
direta e pura linguagem,

entretanto, inibidos,
assaz o momento abusa,
sentem-se por fim coagidos
nos olhares de medusa.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

DO MISTÉRIO DA POÉTICA

O vociferar sereno de um Nume
desprovido, apenas, de agonia,
faz convergir nas palavras o lume,
repentinamente surge a harmonia.

Num sincero dialogar de deidades
principia sem pressa a inspiração
sem data certa, momento, idades,
o silêncio do ar carrega a criação.

Do balbuciar dos anjos, a permuta;
da carpintaria do verbo, a escuta;
do redemoinho ou furacão é o olho.

Inapreensível mistério divino
que é ceifa de Deus-homem-menino:
substância da poesia é o restolho.